Facadas, enforcamentos, tiros na cabeça, pedradas, estupros, mutilações. O corpo dilacerado, estendido no meio da casa e na rua, descartado no lixo ou até pendurado no muro e na árvore, como troféu macabro. A brutalidade dos crimes de feminicídio no Brasil desconhece limites. Não poupa sequer gestantes ou idosas. Chamar pelo devido nome esse crime de ódio, que vitima a mulher pela simples condição de gênero é mais que uma necessidade, um dever. Enquanto o machismo estrutural respaldar a cultura de posse que boa parte dos homens julga deter sobre os corpos e as vidas das mulheres, não estaremos seguras.
Neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, voltamos a reafirmar o nosso direito à vida e à existência em todos os espaços.
Parem de nos matar! É o único apelo possível diante de números estarrecedores. Em 2023, a Central de Atendimento à Mulher registrou quase 75 mil denúncias de violência. No mesmo ano, foram contabilizados 1.449 feminicídios no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). O número revela uma leve queda de 1,86% em relação a 2022. Em média, no entanto, quatro mulheres ainda morrem diariamente no País vítimas de feminicídio.
Em Pernambuco, o cenário é ainda mais alarmante, com um aumento de 55,9% no indicador, totalizando 92 assassinatos de mulheres motivados pelo gênero. Trata-se do maior índice do Nordeste, segundo o novo relatório Elas Vivem: liberdade de ser e viver, divulgado ontem (7/3) pela Rede de Observatórios da Segurança, que monitora oito Estados. Como o documento pontua, a demora do governo do Governo de Pernambuco em apresentar um programa efetivo de segurança pública resultou em mais mulheres mortas.
O caminho para mudar esses números passa por colocar a igualdade de gênero e o enfrentamento à violência contra a mulher no centro do debate e das políticas públicas. Agir preventivamente é tão importante quanto garantir que os assassinatos de mulheres sejam adequadamente registrados, investigados e punidos.
A Lei nº 13.104, sancionada em 9 de março de 2015, no governo da presidenta Dilma Rousseff, representou um marco nesse sentido, ao incluir o feminicídio no capítulo dos crimes contra a vida no Código Penal Brasileiro, considerando-o um crime hediondo com pena de 12 a 30 anos de reclusão.
Com o retorno de um governo progressista ao País, é preciso reconhecer alguns avanços significativos na legislação e no investimento em políticas públicas de proteção aos direitos das mulheres em âmbito nacional. Destaco as alterações na Lei Maria da Penha (11.340/2006) visando fortalecer o enfrentamento à violência doméstica e familiar. As mudanças incluem a ampliação do conceito de violência ou ameaça contra a mulher, independentemente da sua condição de vulnerabilidade, a desburocratização do acesso e autonomia das medidas protetivas, e a ampliação dos mecanismos de assistência às vítimas.
Além dessas mudanças na Lei Maria da Penha, outras legislações foram sancionadas para potencializar a luta contra a violência de gênero, incluindo a Lei de Igualdade Salarial, a instituição do Programa de Prevenção e Enfrentamento aos Crimes Sexuais, o funcionamento ininterrupto das Delegacias da Mulher, e a prioridade no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar pelo Sistema Nacional de Emprego.
Recentemente, o governo federal anunciou a implementação de novas unidades da Casa da Mulher Brasileira (CMB) no País, sendo três delas em Pernambuco, nas cidades de Recife, Petrolina e Caruaru. Fundamentais na estratégia de acolhimento às mulheres vítimas de violência, tratam-se de centros integrados que oferecem diversos serviços de apoio, incluindo assistência jurídica, psicológica e de saúde.
Tenho orgulho de dizer que no nosso primeiro ano de mandato também contribuímos efetivamente com a ampliação do arcabouço legal ao aprovarmos três projetos de lei de combate à violência contra a mulher: o protocolo Não é Não, que prevê medidas de proteção em estabelecimentos noturnos; a implantação de um dispositivo de alerta para avisar às vítimas sobre a proximidade do agressor e a alteração do estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para punir assediadores.
Apesar dos avanços, temos a consciência de que a luta ainda é longa e árdua em todas as frentes. Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, conduzida pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) e pelo Instituto DataSenado, revela que apenas duas em cada dez mulheres se sentem bem informadas sobre a Lei Maria da Penha. Esse dado ressalta a importância de ampliar o acesso à informação e educação sobre os direitos e proteções disponíveis para as mulheres.
O Projeto Banco Vermelho, que aprovamos na Câmara esta semana, é uma das iniciativas que visam preencher essa lacuna, estimulando a conscientização e prevenção ao feminicídio. A instalação dos bancos vermelhos em locais públicos incentiva a reflexão da sociedade, além de fornecer meios de informação para que a pessoa possa identificar os sinais de violência, ter acesso aos canais de denúncia e obter apoio.
Com isso, buscamos transformar o luto em luta, para promover segurança e bem-estar às mulheres em todo o território nacional. É hora de agir e de mudar comportamentos. A efetiva aplicação das leis, a promoção de uma cultura de respeito desde a educação básica e o desenvolvimento de políticas públicas mais integradas são desafios perenes. A trajetória para erradicar a violência contra a mulher é complexa e exige uma abordagem multidisciplinar, continuada e engajada de todos os setores da sociedade.
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*Maria Arraes é deputada federal pelo SD-PE